As pessoas heterossexuais podem aprender com a teologia queer?

homem pensando e segurando uma bíblia

 

As pessoas heterossexuais podem aprender com a teologia queer?

Meu nome é Viviane Costa Paiva, sou coordenadora pedagógica na escola pública, tenho quarenta e cinco anos, sou divorciada e mãe de um adolescente de dezesseis anos. Conheci a ICM –SP (Brasil) em 2010 e permaneço heterossexual.

Cheguei à ICM-SP convidada por um amigo que pesquisava sobre igrejas inclusivas para o doutorado. Apesar da tradição cristã protestante de minha família e de ter crescido em contexto religioso, nunca soube da existência de tais igrejas ou havia pensado sobre o assunto. Divorciada e sentindo-me fracassada (em minha cabeça o casamento era para sempre, mas não pude suportá-lo a ponto de permanecer nele), não desejava mais frequentar a igreja, apesar da falta que sentia da vida comunitária.

Lembro-me do primeiro culto, do espanto com o ambiente tão marcado pela liturgia e ao mesmo tempo lugar de acolhimento igualitário. A Palavra partilhada, as músicas, os sorrisos e os abraços inundaram meu coração de graça e uma mudança deu-se em meu ser a partir daquele encontro. Ninguém perguntou sobre minha condição sexual, ninguém se importou se eu era heterossexual, transexual, homossexual ou sei lá o quê! Até hoje, dez anos depois, só menciono minha condição quando questionada. 

Penso que esse é o meu lugar no ICM, lugar do diálogo, da ponte entre o que somos e minhas antigas comunidades, promovendo o conhecimento e o reconhecimento dos cristãos LGBTTI +, afinal, somos um só povo.

Interessei-me por toda a temática da teologia feminista (que nem conhecia). Foram leituras, lágrimas, pesquisas, longas conversas e a escuta atenta dos depoimentos de pessoas sobre suas trajetórias em suas igrejas de origem. Conheci muita gente que se tornou referência para mim. Procurei pessoas do meu passado e descobri quantas delas, em minhas comunidades anteriores, “lutaram” contra sua homossexualidade desde a adolescência, sem jamais sentirem-se filhos e filhas amadas de Deus por conta da opressão da religião sem amor e sem compaixão a qual nos submetíamos. Ah, se tivessem conhecido a ICM! Ah, se eu tivesse conhecido! Por isso, sinto-me chamada a levar a verdade da GRAÇA SALVADORA, ESCANDALOSA e GENEROSA de Jesus que não nega nossa sexualidade e também não a usa como meio de exclusão. Penso que esse é meu lugar na ICM, lugar do diálogo, da ponte entre o que somos e minhas antigas comunidades, promovendo o conhecimento e o reconhecimento dos cristãos LGBTTI+, afinal, somos um só povo.

Há algumas coisas, entre milhares de outras,  que essas pessoas queridas da ICM ensinaram-me ao longo desses dez anos: 

  1. Sair do armário. Nunca mais me permiti estar trancada em um. Mas, não foi sem dor, também não é fácil despir-me de minha hipocrisia religiosa cravada na pele feito tatuagem. Aprendi que minha voz é importante e que, algumas vezes, é preciso gritar.
  2. A conversão é diária, há uma luta para seguir o Mestre e escolher o amor não é simples. Entender e viver “conhecerei a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32) é transformar-se a todo momento para ter um coração mais parecido com o de Jesus.
  3. Não me calar diante das injustiças. Nossa fé é militante! É impossível amar a Deus, a quem não vejo, e ignorar o clamor das pessoas. Defender os Direitos Humanos é um imperativo aos seguidores do Caminho.
  4. Não negar minhas dúvidas, minhas falhas, assumindo-me e reconhecendo-me amada por Deus assim mesmo. Há um compositor brasileiro (Humberto Gessinger) que escreveu em uma de suas canções: “a dúvida é o preço da pureza”. E Davi, o salmista, pediu um coração puro a Deus. Aceitar quem sou, com minhas buscas e dúvidas é o caminho da pureza para o meu coração. 
  5. Aprendi sobre o amor não fingido, amor que dói sentir, porque você precisa enfrentar seus preconceitos para senti-lo, porque você precisa reconhecer as misérias de sua própria alma antes, porque não é amar de palavra, da boca pra fora, mas de fato e de verdade. Como Cristo ensinou.

 A alegria, apesar das dores do mundo, essa criatividade para enfrentar o sofrimento! Em nosso contexto brasileiro, além do império do fundamentalismo religioso, em 2019, registramos a vergonhosa marca de uma morte por dia de pessoas vítimas da homofobia. É viver com a faca no pescoço e ainda assim expressar quanto a “alegria do Senhor é a nossa força”. Testemunho de vida plena em Jesus que o cristão e a cristã LGBTTI+ dá ao mundo. 


 

Viviane PaivaSOBRE ESTE AUTORA DA ICM: Viviane Paiva